Resenha de ‘Experimental Philosophy’ (Joshua May)

Resenha de Experimental Philosophy (2008, OUP), Knobe e Nichols (eds.), feita por Joshua May para a PhilosophicalPsychology. Traduzida para o blog “Filosofia Experimental” por Rodrigo Reis Lastra Cid

Texto original em inglês encontrado em: http://experimentalphilosophy.typepad.com/experi mental_philosophy/2009/07/review-of-experimental-philosophy.html ou diretamente em:http://www.joshdmay.com/wp-content/media/xphi-review.pdf

JOSHUA MAY Department of Philosophy University of California, Santa Barbara 5631 South Hall, Santa Barbara, CA 93106- 3090, USA Email: jdmay@umail.ucsb.edu © 2009, Joshua May

Experimental Philosophy / JOSHUA KNOBE, SHAUN NICHOLS (EDS.) / New York: Oxford University Press, 2008 / 244 pages, ISBN: 9780195323269 (pbk); $24.95

A filosofia experimental é um método novo, e de certa forma controverso, de pesquisa filosófica no qual filósofos conduzem experimentos que visam lançar luz sobre tópicos filosoficamente interessantes. Tal método geralmente envolve entrevistar pessoas comuns para saber quais são suas “intuições” (estritamente, seus juízos pré-teóricos) sobre casos hipotéticos importantes para a teorização filosófica. A controvérsia dessa metodologia (prefiro isso a “movimento”) surge principalmente porque ela difere das maneiras tradicionais de fazer filosofia. Além disso, alguns de seus praticantes têm argumentado que os métodos mais tradicionais são errôneos. Infelizmente, este tem sido o foco de muitas discussões sobre a filosofia experimental na comunidade filosófica como um todo. No que diz respeito a muitos filósofos, sua exposição à metodologia deu-se apenas com relação a esses tópicos mais controversos. EmExperimental Philosophy, Joshua Knobe e Shaun Nichols se empenham em introduzir os leitores à florescente área da Filosofia Experimental, organizando uma coletânea dos artigos mais importantes que caem sob esse rótulo. Dada quão controversa a Filosofia Experimental se tornou, ela é um fardo pesado. Com apenas algumas ressalvas menores, estou feliz em dizer que eles organizaram uma coletânea valiosa, que serve como uma introdução diplomática a esse novo e excitante estilo de pesquisa.

A coletânea de artigos é criteriosa. Muitos deles são artigos influentes já publicados em outros lugares, e cobrem um leque bastante amplo de tópicos, incluindo conhecimento, semântica, ação intencional e responsabilidade moral. Os capítulos 2 e 3, que compõem a parte I do volume, são artigos bem famosos que apresentam diferenças trans-culturais nas intuições. O primeiro desses capítulos (por Weinberg, Nichols e Stich) diz respeito a noções epistêmicas, enquanto o segundo deles (por Machery, Malton, Nichols e Stich) diz respeito a semântica dos nomes próprios. A segunda parte do livro centra-se na responsabilidade moral e no determinismo. Nesta parte, os leitores encontram experimentos sobre, entre outras coisas, se as pessoas comuns tendem a ser compatibilistas ou incompatibilistas. Os resultados recentes relatados por Nichols e Knobe mostram um padrão particularmente interessante. As pessoas tendem a realizar juízos morais que refletem visões compatibilistas quando os casos são mais carregados emocionalmente, e incompatibilistas quando os casos não são carregados emocionalmente. Os capítulos 7 e 8 enfocam na ação intencional, começando com um trabalho famoso de Knobe, envolvendo a ajuda CEO e os casos do prejuízo. Muitos têm ciência de que Knobe mostrou que as pessoas irão julgar como intencional o efeito colateral da ação de um agente sob certas circunstâncias, mas não sob outras. Enquanto muita da literatura subseqüente se focou em quais exatamente são essas circunstâncias e em se Knobe está certo em dizer que elas têm a ver primariamente com a culpabilidade, o artigo de Thomas Nadelhoffer, que conclui a terceira parte do livro, centra-se na questão mais normativa sobre se tal efeito colateral é um erro.  Apelando para um certo modelo de atribuição de culpa, Nadelhoffer conclui que ele é um erro.

A parte final do livro enfoca em tópicos mais amplos sobre o futuro da filosofia experimental. Relatando alguns de seus próprios experimentos, Fiery Cushman e Al Mele (capítulo 9) fornecem uma perspectiva nova e interessante de como abordar o trabalho experimental sobre ação intencional que envolve postular múltiplos conceitos populares de ação intencional. Jesse Prinz (capítulo 10) explica as diferenças entre os filósofos experimentais e os “filósofos empíricos” que fazem uso de resultados empíricos em suas teorizações mas que não geram eles mesmos os resultados. No capítulo 11, Walter Sinnott-Armstrong realiza uma grande pesquisa experimental sobre as intuições das pessoas com relação a tópicos paradoxais e argumenta que deve haver uma explicação unificada para os resultados de ambas as posições nesses debates. No capítulo final do livro, Ernst Sosa critica ao menos alguns projetos dentro da filosofia experimental, apelando para a diferença entre discordâncias substantivas e meras discordâncias terminológicas.

Há também uma quantidade significativa de material novo publicado aqui. Alguns dos ensaios publicados anteriormente têm algumas correções menores. Por exemplo, no artigo de Knobe sobre ação intencional, ele adiciona uma nota de rodapé honorável, citando estudos subsequentes que, tal como Le afirma, têm “demonstrado conclusivamente” que uma de suas hipóteses principais do artigo é falsa (p. 146). Há também inúmeros artigos publicados pela primeira vez no livro. Isso inclui o primeiro capítulo do livro, escrito pelos editores, e os primeiros três capítulos da seção final. Nesta resenha, vou restringir meu enfoque principalmente ao novo material, particularmente ao ensaio introdutório dos editores.

No seu capítulo de abertura “An Experimental Philosophy Manifesto”, Knobe e Nichols (“K&N” por brevidade) explicam o que eles pensam ser a natureza e o escopo da filosofia experimental, e a defendem contra algumas objeções comuns. Tal como eles dizem, eles estão, entre outras coisas, tentando “justificar o início do empreendimento da filosofia experimental” (p. 14). No todo, os autores fazem um trabalho admirável de mostrar que a metodologia empregada pelos filósofos experimentais não deveria ser tão controversa quanto frequentemente é pensada ser. Uma de suas asserções principais é que a filosofia experimental está simplesmente retornando aos tempos antigos quando os filósofos rotineiramente estudavam a mente humana com o objetivo de entender melhor o mundo fora dela. A idéia é que ao estudar como as pessoas comuns pensam sobre coisas de interesse filosófico, como o conhecimento por exemplo, podemos aprender mais sobre o próprio fenômeno. Porém, eles deixam claro que, assim como nos tempos antigos, não é preciso fazer desse método o único método da pesquisa filosófica: “o que estamos propondo é apenas adicionar outra ferramenta à caixa de ferramentas do filósofo” (p. 10). Além do mais, eles enfatizam que a filosofia experimental está longe de apenas entrevistar pessoas para resolver problemas filosóficos. Considere um filósofo hipotético que já refletiu sobre a responsabilidade moral, mas descobriu que um resultado experimental mostra que sua visão não é amplamente compartilhada entre “o povo”; K&N perguntam: “ele deve mudar de idéia apenas porque faz parte de uma minoria? É claro que não” (p. 6).

Com essa caracterização bastante minimalista de filosofia experimental, K&N passam a defendê-la contra várias objeções. E sem entrar em detalhes, deve-se ter bastante claro que essa caracterização será muito difícil de criticar. Como podemos negar que investigar como as pessoas comuns pensam sobre tópicos filosoficamente importantes nos daria alguma luz em tais tópicos?

Certo, mas a dialética aqui geralmente fica ofuscada. Alguém que se intitula “crítico da filosofia experimental” diz que está objetando à filosofia experimental, quando na verdade está criticando um certo projeto revisionário perseguido por alguns filósofos experimentais. Um exemplo disso é o texto crítico de Sosa presente no livro. Ele obscurece a dialética ao chamar seu alvo de “filosofia experimental”. Embora ele mencione que alguns filósofos experimentais não são seu alvo (porque eles não fazem as afirmações mais controversas que ele está atacando), ele relega isso a uma nota de rodapé próxima do final (n. 5, p. 239) e agradece a Knobe pela discussão – presumivelmente por pressioná-lo.

Embora K&N caracterizem apropriadamente a filosofia experimental num sentido amplo, o que lhe permite ser o alvo de “diversas ambições” (p. 3), frequentemente eles não deixam clara a distinção entre os projetos mais forte e mais fraco. Talvez, teria sido de grande ajuda introduzir uma distinção, como a que S. Matthew Liao (2008) traçou recentemente entre experimentalistas radicaisexperimentalistas moderados. Os experimentalistas radicais pensam que a filosofia experimental mina outros métodos padrão de fazer filosofia, enquanto experimentalistas moderados pensam que ela a suplementa (discutivelmente, os capítulos 2 e 3 são instâncias do primeiro). K&N, em seu ensaio, parecem ter esse tipo de distinção em mente. Entretanto, eles escrevem que “não é possível apontar um único ponto de vista básico e dizer: “este ponto de vista jaz no coração de todo trabalho contemporâneo de filosofia experimental”” (p. 6). Não tenho tanta certeza. Cada filósofo experimental visa conduzir seus experimentos a fim de esclarecer tópicos filosóficos. Discutivelmente, este é o coração da filosofia experimental, e apenas compromete-se com a visão moderada no que chamaríamos “debate metafilosófico” sobre a metodologia. Certamente seria irresponsável apontar para uma certa posição controversa num debate metafilosófico e asserir que ela é comum a todos os filósofos experimentais. Porém, enfatizar o âmago moderado dessa área poderia ter sido de grande ajuda, especialmente dado a natureza diplomática do livro. Seria de grande ajuda levar para casa a idéia de que a filosofia experimental deveria ser muito menos controversa do que é. (Inclusive isso põe uma ênfase desnecessária ao debate metafilosófico. Enquanto todos os filósofos experimentais estão comprometidos ao menos com a visão moderada, penso que pode ser danoso caracterizar amplamente a filosofia experimental nos termos da visão moderada. Ela frequentemente esconde o fato de que muitos filósofos experimentais estão antes simplesmente tentando tratar tópicos filosóficos com uma ferramenta adicional do que tentanto fazer uma jogada ou dar um passo no debate metafilosófico.)

Entretanto, no todo, K&N caracterizam a filosofia experimental amplamente e de uma maneira justamente moderada. Mas, então, isso faz surgir outro tópico: confiar numa caracterização primariamente moderada pode parecer problemático quando se tenta responder as objeções. Afinal de contas, a maior parte dos críticos profissionais da “filosofia experimental” não levantam tais objeções contra a visão moderada, seus alvos são visões mais radicais (considere, por exemplo, o capítulo de Sosa). Então, por que K&N caracterizariam a filosofia experimental de um modo justamente moderado e tentam responder as críticas que são, tipicamente, direcionadas contra uma visão mais radical? Eles estão sendo injustos aqui? (Eu sou grato a Jonathan Ichikawa, por levantar esse tópico no Arché Methodology Project Weblog.)

Talvez K&N estavam simplesmente tentando tornar explícito que nenhuma das objeções que eles discutem funciona contra a visão moderada. Afinal de contas, este livro foi escrito para “justificar a iniciação” da filosofia experimental na comunidade filosófica mais ampla. E, pelo que entendi, muitos filósofos que não seguem a filosofia experimental pensam que ela é um “movimento” que consiste primariamente de o que chamamos de “experimentalistas radicais”, que estão simplesmente tentando minar os métodos filosóficos tradicionais. Isso está longe da verdade; a maioria parece ser moderada. O caso é que são as asserções mais controversas que frequentemente recebem a maior atenção pela comunidade filosófica mais ampla. Assim, num livro que se supõe ser feito para iniciar tais pessoas à filosofia experimental, penso que é sábio deixar claro que ela é primariamente um projeto moderado e que as objeções comuns – i.e., as que os filósofos experimentais frequentemente ouvem nas conversas, não necessariamente impressas – não funcionam contra ela.

Apenas toquei em alguns itens desse excelente volume. E ainda, a mistura de ensaios novos com alguns dos artigos mais importantes da filosofia experimental atual faz da coletânea como um todo algo consideravelmente útil tanto como uma introdução ao campo, quanto um livro guia para os veteranos. Cada seção do livro tem sumários dos artigos e também leituras complementares sugeridas, que são ambos acessórios particularmente úteis aos dois tipos de leitor. Porém, suspeito que a maioria dos leitores, ao ler este livro, estará tendo seu primeiro encontro com a filosofia experimental. Reconhecidamente, Knobe e Nichols fizeram uma coletânea que expõe o campo bem amplamente, incluindo os projetos revisionários muito menos controversos. Os editores deveriam ser parabenizados por fazerem isso por esse projeto tão calorosamente debatido e ainda em desenvolvimento. Dado o grande impacto que a filosofia experimental tem tido na disciplina como um todo e dado o amplo raio de tópicos cobertos pelos artigos da coletânea, eu recomendo fortemente o livro a todos.

Referências

Liao, S. Matthew (2008). A defense of intuitions. Philosophical Studies 140 (2), 247-262.

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